24/6/2015 às 00h05
Caçadoras de golpistas criam “exército” para vingar vítimas de namoro virtual
Em ações conjuntas, grupo inverte a lógica do jogo e faz os criminosos perderem dinheiro
Era final de 2010 quando a funcionária pública Crystal*, que vive no Estado de Mato Grosso, recebeu um recado que a intrigou. Depois de 26 anos de casamento, ela havia se divorciado em janeiro daquele ano e, como muitos solteiros, passava horas diante do computador, navegando na internet. Crystal havia feito um perfil em um site de relacionamento e esperava conhecer novas pessoas, reconstruir a vida. Certo dia foi abordada por uma desconhecida, que a alertou: havia um scammer (golpista virtual) em sua lista de amigos.
— Eu nunca tinha ouvido essa palavra. Perguntei o que isso significava. Ela me explicou que era a máfia nigeriana de golpistas virtuais.
Aquela desconhecida era a também funcionária pública Meggie*, moradora de uma cidade no interior de São Paulo. Ela havia ficado viúva em 2007 e quase fora vítima de um scammer. Ao longo do relacionamento virtual, desconfiou quando o homem, que dizia ser engenheiro e dono de uma pequena firma de importação e exportação de petróleo, pediu R$ 15 mil (US$ 5.000) emprestados para resolver uma pendência. Na época, Meggie não sabia, mas estava diante de um scam romance ou golpe do namoro. Em linhas gerais, o objetivo é envolver a vítima emocionalmente e arrancar o máximo de dinheiro dela.
— Nessa altura, ele já tinha me enviado a imagem do comprovante da passagem aérea, mostrando que viria mesmo para o Brasil. Fui checar e era falsa. Continuamos a conversar e vi que o perfil dele em uma rede social havia sido “decorado” com a frase “scammer — be careful” (golpista — cuidado). Entrei em contato com a garota da Malásia que havia colocado os tais avisos, e ela me levou para um grupo que caçava scammers. Fui a primeira brasileira a ser aceita. Aprendi muito por lá.
Com os conhecimentos que adquiriu, Meggie começou a visitar redes sociais com a finalidade de avisar os usuários sobre o risco oferecido pelos estelionatários. A convicção de que deveria mergulhar nesse trabalho veio após conhecer uma vítima.
— Encontrei uma senhora que havia enviado todo o décimo terceiro salário para um golpista. Nesse caso, cheguei tarde. Ela chorava muito e dizia que, pela primeira vez, os netos iriam ficar sem presentes de Natal. Aquilo mexeu demais comigo. Jurei para ela que iria ajudar mulheres e homens do meu País. Logo na sequência, ela teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e faleceu.
Muitas pessoas se contentavam com as informações passadas pela funcionária pública do interior de São Paulo, mas, para Crystal, isso não era o bastante. Ela decidiu que também deveria ajudar a combater a ação dos fraudadores. Percebeu que eles estavam invadindo o Facebook e resolveu montar uma página por lá. Assim como Meggie, também colocou no ar um blog sobre o tema.
—Fiquei um ano postando que nem doida, falando sozinha. Depois desse tempo, começaram a aparecer as primeiras vítimas.
Crystal e Meggie, que nunca se conheceram pessoalmente, formaram uma parceria e, a partir da disseminação de dados sobre os fraudadores, foram conquistando a adesão de pessoas que que caíram no golpe ou que conseguiram escapar a tempo.
“Exército”
Em um grupo secreto no Facebook, as “caçadoras”, como se autointitulam, traçam estratégias sobre como neutralizar a ação dos scammers. O trabalho não é focado apenas em alertar potenciais vítimas, mas também em transformar os golpistas em caça, invertendo a lógica do jogo.
Para atingir o alvo, elas criam os chamados “bait (isca) perfis”, perfis falsos, montados com minúcia para parecer real. A missão é ocupar, o máximo possível, o tempo dos estelionatários, além de recolher informações.
Crystal explica a importância desse tipo de ação.
— Se eles [fraudadores] perderam tempo, perderam dinheiro. Saber que dei prejuízo para eles, que tirei o pão da boca deles, é bom demais.
Entre os caçadores, os scammers são chamados de “mugus”, segundo explica a funcionária pública de Mato Grosso.
— O sentimento é de caçar mesmo, assim como eles fazem com elas. Chamamos de “mugu”. É uma palavra do idioma Iorubá que usam para falar entre eles de uma vítima. Quer dizer pessoa tola, otária, idiota. Então, os chamamos de “mugu”, porque é o que são para nós. Nosso objetivo é brincar com eles. O negócio é fazer com que percam tempo com você. Enquanto isso acontece, ele não está abordando uma mulher que não conhece [o golpe].
Durante mais de uma semana, o R7 acompanhou as atividades do grupo. Até esta quinta-feira (18), havia 139 integrantes, mas o “exército” conta com a participação de cerca de 300 pessoas, conforme Crystal. Dessas, apenas uma parcela atua na linha de frente.
As integrantes compartilham entre si fotos, endereços de e-mails, telefones, números de contas bancárias usadas pelos estelionatários e chegam até mesmo a derrubar perfis de fraudadores por meio de denúncias. Tudo é divulgado nos blogs mantidos pelas duas funcionárias públicas, formando uma espécie de bancos de dados, que pode ser consultado por qualquer pessoa. Em geral, os textos dos e-mails enviados pelos golpistas seguem um padrão e se diferenciam por detalhes.
A publicação nos blogs tem ainda uma função estratégica, conforme explica Meggie.
— Desta forma, expomos aos robôs do Google. Se alguma vítima mais esperta for checar o endereço de e-mail, por exemplo, verá que ele já foi denunciado como sendo de um golpista, o que evita que ela caia no golpe.
*As personagens usam codinome para manter suas identidades preservadas