domingo, 8 de julho de 2018

Como um golpe bilionário na internet está partindo corações e esvaziando contas bancárias

Como um golpe bilionário na internet está partindo corações e esvaziando contas bancárias
Como um golpe bilionário na internet está partindo corações e esvaziando contas bancárias

Os golpes virtuais românticos modernos são crimes organizados e premeditados que roubam milhões de dólares, potencialmente bilhões, de pessoas solitárias e vulneráveis pelo mundo afora, através da internet.

Os estelionatários virtuais, ou scammers, podem ter arquitetado o crime perfeito. Eles ficam sentados em segurança diante de seus computadores em países distantes, procurando suas presas nas redes sociais, e raramente são pegos. As vítimas frequentemente saem com prejuízos financeiros enormes e profundas feridas psicológicas, além de se sentirem tão envergonhadas que relutam em vir a público para falar do que sofreram, mesmo depois de entender que foram vítimas de um golpe.

Enquanto isso, as pessoas em posição de poder ajudar a combater esse tipo de fraude tratam esses incidentes como "uma coisa sem maior importância, sendo que na verdade é um incêndio florestal crescente", disse o médico Steve G. Jones. Ele também é vítima dos scammers: seu nome e suas fotos foram roubados para criar as identidades falsas usadas nos golpes de namoro.

O FBI informa que nos Estados Unidos os golpes românticos são os responsáveis pelos maiores prejuízos financeiros de todos os crimes facilitados pela internet. O Centro de Queixas de Crimes na Internet do FBI informou ter recebido 15 mil denúncias de estelionatos românticos virtuais no ano passado, um aumento de 20% em relação ao ano anterior. Os prejuízos informados passam de US$230 milhões, mas o FBI avalia o valor real como sendo muito maior, estimando que apenas 15% desses crimes chegam a ser denunciados à polícia.

O FBI ressalta ainda que as chances de as vítimas recuperarem seu dinheiro são ínfimas. De acordo com a Interpol, parte do dinheiro roubado por redes estelionatárias internacionais acaba nas mãos de organizações terroristas como o Boko Haram.


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O HuffPost entrevistou várias mulheres de seis continentes que enviaram dinheiro a scammers por quem se apaixonaram online. Elas aceitaram o convite transmitido pelo HuffPost em páginas de combate a esses golpes e outras páginas do Facebook, concordando em falar do que aconteceu.

A alemã Diana Warnack, 48 anos, deu US$18 mil a um homem que conheceu online. Ela entende intelectualmente que foi ludibriada, mas emocionalmente é outra história. "Ainda estou apaixonada por ele", ela contou ao HuffPost. "É uma maluquice, eu sei, mas ele continua em meu coração. Acho que todo o mundo de alguma maneira procura um grande amor na vida."
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Diana Warnack deu US$18 mil a um homem que conheceu online. Ela sabe que foi vítima de um golpista, mas ainda está apaixonada por ele
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Também conversamos com membros de todo um setor de atividade que surgiu para dar apoio às vítimas de golpes: operadores de sites que vigilância antigolpes, psicólogos que dão assistência a vítimas e pessoas que se identificam como iscas de scammers, que procuram enredar os criminosos para que estes possam ser presos. Também conversamos com investigadores do FBI, acadêmicos e pesquisadores que estudam a cibercriminalidade.

A agente especial do FBI Christine Beining conta a história de uma texana defraudada por um golpista que dizia se chamar Charlie. Cristã devota, a mulher chegou a cogitar em suicídio, disse Beining. Como Diana Warnack, ela ainda tem dificuldade emocional em se conformar com o que aconteceu.

"Apesar de saber agora que Charlie não existe, na realidade, ainda há momentos em que ela pensa que os dois homens que prendemos agiram sozinhos", comenta a agente do FBI.

Em julho de 2016, dois homens na Nigéria se confessaram culpados de aplicar um golpe contra a mulher texana. Eles foram condenados a três anos de prisão. Mas a vítima não recebeu seu dinheiro de volta.

Ela falou abertamente de sua religiosidade em sua página no Facebook, e isso foi algo que proporcionou um gancho a "Charlie" quando ele procurou se aproximar dela online, em 2014. O relacionamento deles avançou rapidamente, e em pouco tempo eles já estavam orando juntos. Online, é claro.

A mulher, que tem entre 55 e 60 anos, disse em fita de áudio fornecida pelo FBI (ouça abaixo) que era casada, "num casamento emocionalmente abusivo. As coisas não andavam bem havia pelo menos 10 anos." Ela estava à procura de felicidade e pensou que a tivesse encontrado com Charlie.

Quando ele lhe pediu dinheiro para ajudar a terminar uma obra de construção, ela disse: "Rezei para pedir uma luz sobre isso. Sempre fui uma pessoa muito generosa. Achei que, já que eu tinha dinheiro, podia mandar algum dinheiro para ele." Foi assim que ela perdeu os primeiros US$30 mil.

Ao longo dos dois anos seguintes, ela foi enviando mais dinheiro em resposta a cada história nova que "Charlie" lhe contava, ela relatou, porque, afinal, eles estavam apaixonados. Com o tempo, seu assessor financeiro ficou preocupado com o fato de suas reservas estarem minguando constantemente. Suspeitando de uma fraude, ele a aconselhou a procurar o FBI. A texana já havia enviado US$2 milhões a um homem que não conhecia pessoalmente.

As vítimas mais prováveis
Segundo dados do FBI, 82% das vítimas de golpes virtuais românticos são mulheres, e são mulheres com mais de 50 anos que sofrem as maiores perdas financeiras com as fraudes.

Usando perfis falsos em sites de namoro online e redes sociais, incluindo o Facebook, os estelionatários virtuais procuram pessoas solitárias e vulneráveis. Prometem amor e casamento e constroem algo que, para a vítima, parece constituir um relacionamento muito real.

Entre os alvos mais procurados estão pessoas que já caíram em golpes anteriores. A agente especial Beining revelou que, a partir do momento em que uma vítima manda dinheiro ao golpista, este inclui o nome dela numa "lista de otários". Esses nomes e identidades frequentemente são vendidos a outros criminosos.

"Temos visto vítimas que voltam a ser vítimas outra vez", ela comentou.

Um estudo da Comissão Federal de Comércio dos EUA publicado em 2013 identificou outro fator revelador em comum entre vítimas de toda espécie de fraudes: pessoas que sofreram um acontecimento muito negativo em suas vidas nos 24 meses anteriores – perda do cônjuge, divórcio, separação, perda do emprego – têm chances duas vezes maiores de caírem vítimas de golpes virtuais.

Em seu livro de 2008Truth, Lies and Trust on the Internet (Verdade, mentiras e a confiança na internet), a psicóloga Monica Whitty explicou que relacionamentos mediados pelo computador podem ser "hiperpessoais – mais fortes e íntimos que relacionamentos físicos". Os participantes podem controlar como eles se apresentam, criando "avatares idealizados" que suscitam mais confiança e intimidade do que suas pessoas reais, físicas, cara a cara.

"O que acontece é que você lê e relê muitas vezes o texto escrito, e isso o fortalece", escreveu Whitty, que estuda como as cibertecnologias afetam o ser humano e hoje trabalha na Universidade de Warwick, na Inglaterra.

Autoridades judiciárias e policiais dizem que as vítimas frequentemente têm vergonha de revelar a seus familiares e amigos que estão enviando dinheiro a um estranho que conheceram online. E, se elas se derem conta do que está acontecendo, podem ser ameaçadas ou chantageadas por seus falsos namorados. Para garantir que as vítimas façam o que eles querem, os scammers às vezes colhem informações comprometedoras a respeito delas. Um tipo comum de informação são vídeos em que a vítima se masturba a pedido do golpista.

O golpista pode até admitir o crime à vítima, mas então jurar que se apaixonou por ela de verdade. Aquelas que acreditam nas desculpas e continuam envolvidas podem penetrar em um novo nível de perigo, em que o scammer começa a manipulá-las psicologicamente para levá-las a participar de lavagem de dinheiro, servir como mulas de transporte de drogas ou participar de golpes contra outras pessoas. Para garantir a cooperação da vítima, o golpista pode ameaçar divulgar aqueles "vídeos de sexo". Mais de uma vítima já acabou sendo acusada de crimes, ela própria.

As vítimas vivem em todo o planeta. O HuffPost conversou com mulheres na Austrália, no Brasil, China, Alemanha, Quênia, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos que foram enganadas por estelionatários virtuais.

Ruth Grover, que vive no nordeste da Inglaterra, comanda o site ScamHaters, que posta avisos sobre perfis online que parecem ser de scammers. Ela disse que no momento os alvos mais procurados parecem ser mulheres nas Filipinas, mas ela não sabe por quê. Muitas vítimas nas Filipinas e em outros países não são ricas e acabam pedindo emprestado o dinheiro que mandam aos scammers.

"Avisamos muitas mulheres", disse Grover. Seu site foi aberto há 14 meses e já lançou quase 5.000 posts.

Os golpistas mais prováveis
Beining, a agente do FBI, disse que no momento a grande maioria dos golpes românticos virtuais voltados contra vítimas nos EUA tem origem em Gana e na Nigéria, se bem que cada vez mais esses golpes também estejam vindo de comunidades de expatriados da África ocidental vivendo na Malásia, Canadá e Reino Unido. Em partes do mundo em processo acelerado de desenvolvimento, com alto índice de desemprego e um legado pós-colonial de corrupção e instabilidade política, homens e mulheres jovens podem recorrer ao chamado "jogo 419", um termo comum para designar uma fraude e que deve seu nome ao código criminal da Nigéria.

Os scammers nigerianos são apelidados de "Yahoo boys" porque antes costumavam usar contas de e-mail do Yahoo (muitos agora as trocaram por contas do Gmail). Em Gana, são conhecidos como Sakawa Boys, sendo "sakawa" um termo ganense para indicar fraudes na internet.

Enquanto os golpes nigerianos voltados especialmente contra um público internacional sejam anteriores à internet, como o jornal "The Guardian" divulgou em janeiro, o advento das redes sociais e do e-mail ampliou a lista de vítimas potenciais e transformou o "jogo".

Esses scammers não são apenas jovens que estão se iniciando numa carreira criminosa. Alguns são estudantes (um estudo de 2006 sugeriu que esse seria o caso de até 80% deles) à procura de dinheiro rápido. "Muitos estudantes de universidades nigerianas aderiram às fraudes na internet como um meio de vida", escreveram os pesquisadores Oludayo Tade e Ibrahim Aliyu, da Universidade de Ibadan, na Nigéria. A pobreza com certeza é um fator contribuinte para isso: quase metade dos 10 milhões de estudantes que se formam todos os anos nas 668 universidades africanas não consegue encontrar um emprego.

Além disso, segundo uma pesquisa da Interpol e TrendMicro, a cibercriminalidade às vezes é vista como algo que dá status na África ocidental, especialmente quando as vítimas são estrangeiros. Canções populares e vídeos do YouTube estamparam na cultura nigeriana a imagem do scammer bem-sucedido, que possui carros de luxo e vários imóveis, usa jóias que chamam a atenção e conquista a admiração de imitadores mais jovens. Na canção "Yahooze", de 2007, o cantor nigeriano Olu Maintain parece glorificar o estilo de vida luxuoso dos "Yahoo boys", apesar de ter negado que fosse essa sua intenção. O vídeo mostra carros de luxo com placas para cada dia da semana, mulheres lindas, bebidas caras e dólares espalhados pelo chão como se fossem confete.

É uma imagem que está a anos-luz de distância do padrão de vida comum na Nigéria, onde o salário médio anual é de cerca de US$3.600, ou aproximadamente US$10 por dia. Muitos dos primeiros golpes virtuais foram cometidos por scammers atuando em cafés na internet, onde se paga o acesso à rede por hora; alguns desses estabelecimentos chegavam a fechar para o público maior enquanto eram usados para grandes operações golpistas. Hoje em dia, com conexões de internet melhores e mais baratas, os golpistas muitas vezes não precisam sair de casa para fazer seu "trabalho".

Muitos desses cibercriminosos acreditam que o uso de "elementos espirituais" em conjunto com a internet aumenta suas chances de sucesso, como explicou um artigo acadêmico de 2013 sobre a cibercriminalidade nigeriana. Os scammers lançam um feitiço de vodu, essencialmente para hipnotizar suas vítimas para que lhes entreguem seu dinheiro. Em alguns casos isso requer que usem um "anel encantado" no dedo indicador da mão direita – aquele que bate na tecla "enter" para enviar mensagens – e lambam "um pó preto misturado com mel" antes de falar com os "maga" (otários) ao telefone. A informação é do "Guardian" nigeriano e de um artigo acadêmico de 2011 sobre os retratos na mídia ganense dos rituais ocultos envolvidos em ciberfraudes.

Seja qual for o poder real que o vodu exerce, virtualmente todos os especialistas consultados pelo HuffPost para esta reportagem observou que muitas vítimas parecem se render ao encanto dos scammers. Mesmo depois que o golpe acaba, as vítimas não conseguem acreditar que o romance não foi real.

Doug Shadel, diretor da equipe antifraudes Associação Americana de Aposentados (AARP) e diretor estadual da AARP Washington, disse que os golpistas procuram "nocautear" a vítima de tal maneira que "a parte pensante de seu cérebro fica paralisada". Ele entrevistou uma mulher que perdeu US$300 mil em um golpe de falso namoro online e descreveu a experiência nos seguintes termos: "Me senti como se alguma coisa tivesse tomado conta do meu corpo – uma força que estava fora de meu controle".

A reação das vítimas depois de descobrir que foram enganadas – quando elas continuam a desejar os homens que entendem racionalmente não serem reais – "não é nada racional", disse Shadel ao HuffPost. "Mas a verdade é que, se você pensar bem, verá que a transação inteira é altamente irracional."

Como é lançado o golpe virtual
As histórias dos golpe virtuais variam em seus detalhes, mas todas tendem a seguir a mesma trajetória. A vítima é identificada; um relacionamento íntimo é estabelecido rapidamente com ela online; para testar sua disposição, o scammer lhe pede uma quantia pequena de dinheiro, possivelmente para dar um presente de aniversário para uma criança; ocorre uma crise e o golpista pede uma quantia maior, prometendo devolver o dinheiro em pouco tempo; a vítima é "sangrada" várias vezes mais, até o scammer ser exposto como tal ou até que acabe o dinheiro da vítima.

Os estelionatários virtuais muitas vezes trabalham em equipes de cinco ou seis pessoas. Segundo especialistas que estudam as fraudes online e processam seus responsáveis, cada membro da equipe desempenha um papel específico. Uma pessoa inicia a comunicação com a vítima, fazendo-se passar pelo amante virtual. Outra pode assumir o papel de um médico ou enfermeira que exige pagamento após uma emergência médica. Ou então os membros da equipe de scammers se fazem passar por amigos ou colegas de trabalho do "namorado", pessoas a quem a vítima pode enviar dinheiro. Mulheres jovens se fazem passar por filhas adolescentes do "namorado", dispostas a chamar a vítima de "Mamãe". Se a vítima começa a desconfiar de alguma coisa, outro cúmplice pode procurá-la, dizendo que é detetive particular e oferecendo-se para investigar o scammer – e pedindo um honorário pelo serviço, é claro.

Tudo segue um roteiro previamente definido: as palavras usadas pelo falso namorado, os poemas de amor que ele plagia, os acontecimentos que vão se sucedendo no "relacionamento".

Segundo Doug Shadel, opta pmmer administrava 25 casos ao mesmo tempo, fazendo-se passar por homens e também mulheres.

Os bandidos podem descarregar os roteiros que seguem de grande número de sites online. Uma britânica de 55 anos foi sentenciada a dois anos de prisão em 2016 por ser roteirista de golpistas românticos. Um roteiro que ela redigiu tentou fazer uso de uma tragédia americana. O golpista devia dizer: "Sou viúva. Perdi meu marido nos ataques terroristas de 11 de setembro de 2011 em Nova York. Ele conseguiu sair do edifício que desmoronou, mas morreu mais tarde por ter inalado poeira e fumaça. Ele era asmático."

Mesmo quando os scammers seguem um roteiro, pode haver sinais que levem as vítimas a suspeitar de alguma coisa. Às vezes o scammer se "esquece" do que conversou anteriormente com a vítima ou chama a vítima por um nome diferente. Para evitar esse segundo erro, a maioria dos golpistas opta por termos genéricos, como "meu bem" ou "querida".

Quando a vítima pede um encontro cara a cara, o roteiro propõe maneiras criativas para o scammer dizer "não" ou para marcar o encontro e depois cancelar. Alguns scammers dizem que estão trabalhando no exterior ou numa plataforma petrolífera no Golfo do México, onde nem sempre há sinal de celular ou conexão pela internet, de modo que eles não podem ficar em contato com a frequência que gostariam.

Estes homens são danos colaterais
Para montar suas identidades falsas, os scammers roubam as fotos de uma pessoa real de sites de namoro, contas do Facebook ou até contas antigas do MySpace. Às vezes milhares de falsas identidades online são criadas com um só conjunto de fotos roubadas. A pessoa cujas fotos foram roubadas não faz ideia de que qualquer coisa esteja acontecendo, até que vítimas começam a entrar em contato com ela pedindo seu dinheiro de volta ou querendo levar o "romance" adiante.

Militares são alguns dos alvos principais, porque as mulheres costumam sentir atração por fotos de homens fortes e dispostos a sacrificar a vida por seu país. Militares representam proteção, outra característica que atrai as mulheres. Além disso, poder dizer que ele está fazendo serviço militar fora do país oferece ao scammer uma desculpa perfeita para recusar encontros cara a cara e explicar por que se comunica com a vítima de modo irregular.

O Comando de Investigação Criminal (CID) do Exército americano recebe centenas de queixas todos os meses de vítimas que alegam ter formado um relacionamento online com uma pessoa que se dizia um militar americano. O falso soldado lhes pediu dinheiro para cobrir custos necessários, como transportes, "taxas de comunicação", licenças de casamento e assistência médica. Vale lembrar que em hipótese alguma um membro das Forças Armadas americanas pediria legitimamente a um civil que pagasse seus custos de transporte, administrativos ou de assistência médica.

Recebo telefonemas toda semana, e é muito preocupante ouvir essas inúmeras histórias de pessoas que mandaram milhares de dólares a alguém que nunca encontraram pessoalmente e com quem, em alguns casos, sequer conversaram pelo telefone", disse em release de imprensa o porta-voz do CID do Exército, Chris Grey.

Quando se trata de roubo de fotos, o escalão militar não garante privilégios a ninguém. John F. Campbell era o general de mais alto escalão dos EUA no Afeganistão quando suas fotos foram roubadas. Hoje aposentado, Campbell foi ao Facebook para avisar as pessoas quando, nos seis primeiros meses depois de ele assumir o comando militar das forças americanas em Cabul, ele e seus subordinados descobriram mais de 700 perfis falsos online que usavam sua imagem.


Ele escreveu: "Sou muito bem casado, minha mulher, Anne, está muito viva, e meus filhos não precisam de dinheiro para nenhum procedimento médico. NÃO UTILIZO nenhum site de namoro, Skype, Google plus, Yahoo Messenger ou qualquer outra conta."

As fotos e a identidade do Dr. Steve G. Jones foram usadas milhares de vezes por scammers, sem o conhecimento dele.


É claro que homens de muitas áreas acabam virando joguetes nesses golpes virtuais. No caso do Dr. Steve G. Jones, hipnoterapeuta clínico em Nova York, os scammers não apenas usaram suas fotos, mas começaram a se fazer passar por ele.

Três anos atrás, Jones começou a receber e-mails de mulheres iradas "perguntando por que eu as tinha abandonado e o que havia feito com o dinheiro", ele contou ao HuffPost. Jones diz que ainda recebe "cinco a dez notificações por dia", entre mensagens no Facebook e pessoas que mandam e-mails para seu departamento de atendimento ao consumidor. Hoje, boa parte de sua vida é passada fugindo dessas mulheres de coração partido, algumas das quais acham que ele pessoalmente as defraudou. "A maioria dessas mulheres faz tudo para tentar 'reacender a chama' comigo", ele diz.

Uma mulher marcou uma consulta de hipnose em seu consultório em Nova York. Ela compareceu à consulta com prints coloridos de suas fotos, que achava que ele próprio lhe havia enviado.

"Falei a ela que ela era apenas uma entre muitas vítimas e que precisava procurar a polícia, e não a mim", contou Jones. Isso não foi bem recebido pela mulher, que insistiu que os dois tinham tido um relacionamento romântico que ela queria levar adiante. Ela saiu do consultório arrasada, mas mesmo assim lhe enviou um clipe de dinheiro de prata da joalheria Tiffany gravada com o nome "Dreamy", o apelido que ela dera ao homem que acreditava que fosse Jones.

Quando Jones postou em sua página real no Facebook que o HuffPost queria conversar com mulheres que tinham sido ludibriadas por scammers usando seu nome, mais de 50 mulheres responderam em menos de 24 horas. Metade delas indicou que ainda estava apaixonada por "ele". Uma mulher da Rússia enviou mensagens ao HuffPost, suplicando para que convencêssemos Jones a responder às mensagens dela.

"É assim todos os dias", falou Jones, quando lhe contamos o que aconteceu. "Não sei o que fazer."

Ele criou um grupo no Facebook dedicado às vítimas que foram defraudadas com suas fotos. E postou o seguinte anúncio de serviço público no YouTube, explicando como evitar virar vítima de um golpe de falso namoro online.

As fotos no Facebook de Michael Besson, residente em Las Vegas, também foram roubadas e utilizadas para criar centenas de perfis falsos no Facebook e outros sites.

"Esta semana já fui contatado por oito mulheres que se apaixonaram por alguma versão de mim no Facebook. Acredite em mim, este é um problema imenso e maluco e o Facebook não quer saber de admitir que tem qualquer coisa a ver com isso", disse Besson ao HuffPost.

Ele contou que uma mulher de uma cidade pequena no Illinois apareceu na porta da casa dele.

"As vítimas de golpes românticos têm uma experiência bizarra, elas acham que ainda estão apaixonadas por você, mesmo depois de perceberem que você não é aquela pessoa. É quase como se isso não tivesse importância", disse Besson.

Ele disse que o motivo que o levou a falar publicamente é simples: "Espero que meu nome apareça no artigo, para que o Facebook se sinta pressionado a ligar de novo o sistema que tem de aviso de reconhecimento facial".

O Facebook possui um software de reconhecimento facial que pode ajudar a identificar a utilização fradulenta de fotos. "Ligaram o software para mim por uns seis meses, e durante esse período cada página falsa no Facebook que aparecia era flagrada em cinco minutos", contou Besson. Mas então o software foi desligado, e ele não sabe o porquê.

Um representante do Facebook se negou a comentar o caso de Besson.
Esta foto de Michael Besson com sua filha apareceu em centenas de perfis de scammers.
Os scammers em ação nas mídias sociais

As mídias sociais e os sites de namoro, onde as pessoas oferecem informações sobre sua vida pessoal, são o hábitat natural dos golpistas virtuais.

Os sites de namoro parecem ter consciência do papel não intencional que exercem nas fraudes românticas. Esses sites costumam se eximir de qualquer responsabilidade por perfis falsos que possam aparecer. Exigindo anonimato para falar, um executivo de um desses sites disse ao HuffPost que os sites combatem os scammers sub-repticiamente. Eles bloqueiam usuários que desconfiam que sejam scammers, sem os informarem disso. Criam uma "experiência de usuário simulada", deixando o scammer pensar que está mandando mensagens a pessoas que simplesmente não estão respondendo. Qualquer dinheiro desembolsado é devolvido sem alarde ao cartão de crédito (presumivelmente roubado).

Em seu relatório de 2012 sobre golpes românticos virtuais, Monica Whitty, a ciberpsicóloga, teceu críticas aos sites de namoro online. Ela recomendou aos sites que postem avisos e informem os usuários sobre os sinais para os quais devem ficar atentos, dizendo que os sites não devem temer a possibilidade de perderem usuários desse modo. "Os clientes precisam ser plenamente informados sobre esse golpe antes de começarem a utilizar sites de namoro online", ela disse. "Descobrimos que o fato de ter sido vítima de um golpe online não impede a vítima de querer usar sites de namoro online, mas a leva a não usar mais o site no qual foi 'atacada'. É preciso dizer claramente ao usuário: se uma pessoa não quiser se encontrar cara a cara com você no primeiro mês do relacionamento, desista dela e procure alguém que queira!"

Alguns sites monitoram as atividades fraudulentas melhor que outros. O aplicativo de namoro Zoosk, que tem 40 milhões de perfis online e possui membros em 80 países, deixa o cliente fazer um vídeo de seu rosto com o app. Um moderador humano assiste ao vídeo e o compara às fotos enviadas ao site. Mas os scammers ainda podem se esconder entre a maioria dos membros que não utiliza essa opção: apenas 7 milhões de clientes até agora se deram a esse trabalho.

"As pessoas querem uma experiência leve e prazerosa", explicou Daniel Mori, representante do Zoosk. "Querem conhecer pessoas e começar um namoro em pouco tempo." O desafio, disse ele, é "conservar o ecossistema o mais limpo possível sem pedir muito esforço aos clientes."

O Facebook, de longe a maior rede social do mundo, é também um verdadeiro parque de diversões para scammers. Muitas vítimas de golpes românticos online disseram ao HuffPost que o Facebook não faz o suficiente para identificar e bloquear os fraudadores.

Um representante do Facebook, Pete Voss, disse que o site "reconhece o risco de elementos mal-intencionados tentarem enganar as pessoas. Estamos adotando uma abordagem em várias frentes para ajudar a mitigar esses riscos."

Segundo ele, o Facebook usa "uma combinação de sistemas automatizados e manuais para bloquear contas utilizadas para fins fraudulentos. Aperfeiçoamos esses sistemas constantemente para melhor identificar comportamentos suspeitos. Nossos sistemas de segurança operam no segundo plano milhões de vezes por segundo para captar e remover ameaças. Prevenimos grande número de casos por dia em que contas teriam sido comprometidas."

A empresa se negou a dar detalhes sobre seus sistemas de mitigação de riscos ou a informar quantos sites comprometidos são flagrados. O Facebook pede aos usuários que denunciem posts ou mensagens que lhes peçam para compartilhar informações pessoais de modo inapropriado ou a mandar dinheiro. Voss se negou a informar o número de denúncias que o site recebe.

A questão da responsabilidade das redes sociais, incluindo o Facebook, em possibilitar a ação dos scammers é algo que preocupa muitas vítimas. Ruth Grover, do ScamHaters, acha que o Facebook poderia policiar seu site de modo mais cooperativo. Ela disse que a gigante das mídias sociais às vezes fecha páginas de defesa de vítimas, que frequentemente postam fotos de supostos golpistas, mas deixa abertas páginas para intermediários financeiros, mesmo quando eles "promovem crimes impunemente".

"Não deveríamos estar tendo que fazer esforços maiores que o Facebook para combater estelionatários digitais", disse Grover.

O Facebook se negou a responder a perguntas sobre seus critérios gerais para a remoção de páginas ou sobre por que deletou alguns sites específicos, mas indivíduos parecem estar usando seu site para aplicar golpes financeiros.

O HuffPost encontrou o seguinte grupo público no Facebook no dia 7 de junho. Nele, pessoas parecem estar fazendo tráfico de números de cartão de crédito e contas bancárias. Ao longo de algumas horas, o site ganhou quase mil membros. Quando o site foi denunciado, o Facebook o tirou do ar.

Mas assim que uma página é tirada do ar, outra surge em seu lugar. O HuffPost também encontrou a página abaixo, chamada Yahoo Boys, que o Facebook eliminou desde então. O especialista em fraudes e educador sobre o assunto William Kresse disse ter "99,9% de certeza que o sujeito aqui está se anunciando como alguém que trabalha com informações financeiras pessoais roubadas".


O jornalista financeiro Rodney Hobson, autor de The Book of Scams, concordou. "Parece bem evidente para mim, e, se o site foi tirado do ar depois de pouco tempo, isso é um indício clássico", ele disse ao HuffPost.

A troca criminosa de informações bancárias e de cartões de crédito geralmente é feita na "dark web", ou internet escura, onde não pode ser vista pelas autoridades. Mas, segundo Hobson, às vezes essas informações são trocadas mais abertamente.

"Normalmente o que acontece é que um site fica no ar apenas por alguns minutos e depois é tirado, antes de as autoridades o flagrarem", ele explicou. "Não importa se o fraudador não consegue vender as informações imediatamente. Ele pode facilmente montar um novo site e tentar outra vez."

Hobson comparou a internet ao "Velho Oeste" e argumentou que "nem a polícia, nem as gigantes da internet, como o Google, investem os recursos necessários para combater os crimes online".

O HuffPost também encontrou cinco perfis ativos no Facebook que usavam nomes distintos mas mostravam as mesmas fotos. Dois deles foram tirados do ar antes que pudéssemos fazer uma captura de tela; os três que restaram estão aqui. Os sites que ajudam vítimas de golpes de namoro online sugeriram que o homem na foto seja na realidade um cantor britânico e que as imagens com certeza foram roubadas.

O Facebook se negou a comentar sobre aspectos específicos dessas capturas de tela. No caso da primeira, em que há números de contas de WhatsApp visíveis e parece que seriam usados para a compra e venda de informações financeiras roubadas, o Facebook – que é dono do WhatsApp – não quis responder a perguntas sobre se transmitiu essas informações à polícia, se retirou os perfis das pessoas que postaram na rede ou se sequer notificou o WhatsApp que algumas de suas contas podem estar sendo usadas para possíveis atividades ilegais.

Pete Voss, do Facebook, disse: "Estaos sempre à procura de irregularidades no comportamento de determinadas páginas e domínios no Facebook. Por exemplo, quando uma pessoa recebe um pedido para incluir alguém como amigo, nossos sistemas são designados para verificar se o destinatário do pedido já tem um amigo desse nome, além de vários outros fatores que nos ajudam a determinar se a interação é genuína. É uma área que procuramos constantemente melhorar, para que possamos proporcionar às pessoas uma experiência segura no Facebook."

Voss também chamou a atenção para a página de informação pública sobre golpes virtuais mantidas pelo site, em especial golpes românticos.

O FBI disse que não comenta as políticas e práticas de empresas privadas, e um representante do Departamento de Justiça disse que não discute publicamente as estratégias usadas para processar acusados de cometer estelionato virtual.

Jones, o hipnoterapeuta cujas fotos são regularmente tiradas do Facebook para ser usadas em golpes, argumenta que, se o site realmente se esforçasse, poderia acabar com o problema.

"Talvez seja um problema de desconhecimento", ele disse ao HuffPost. "Se o Facebook soubesse de fato quanta devastação está acontecendo – essas mulheres sendo roubadas de não sei quanto dinheiro por ano, em todo o mundo --, acho que resolveria o problema amanhã."

Mas Phil Tully, cientista sênior de dados no grupo ZeroFox, de segurança digital e nas mídias sociais, disse que é impossível para um site de mídia social detectar todos os scammers, porque as táticas e os próprios scammers mudam com tanta frequência. Ele acha que os grandes sites usam programas que frustram os golpes virtuais preventivamente, reduzindo o risco em que os usuários incorrem. Mesmo assim, a ZeroFox fez um estudo de golpes virtuais na Instagram no ano passado e descobriu que três vezes mais golpes estavam sendo criados do que os que estavam sendo eliminados.

A tecnologia ajuda o golpista precavido

Uma vez definidas suas vítimas, os scammers podem lançar mão de aplicativos e outras ferramentas digitais criadas para proteger a privacidade e segurança dos internautas, usando-os para se proteger e evitar serem flagrados.

Cada artefato digital ligado à internet possui um endereço de Protocolo da Internet (IP), um conjunto de números único que revela, entre outras informações, o país em que o artefato está ligado à rede. Qualquer pessoa pode verificar um endereço de IP, se bem que algumas extensões de navegadores enviem um alerta quando alguém o está fazendo. Assim, os scammers precavidos usam uma rede virtual privada para esconder seus endereços de IP.

Os scammers gostam de tirar suas conversas com suas vítimas do Facebook ou dos serviços de namoro online e transferi-los para outras plataformas de mensagens onde podem organizar todas suas comunicações sem que as vítimas saibam. Segundo Grover, do ScamHaters, e autoridades policiais, os golpistas virtuais têm preferência por aplicativos como Viber, WhatsApp e Kik.

Deixar o Facebook o quanto antes também protege o golpista contra o risco de seu perfil falso ser denunciado e tirado do ar. Se isso acontecer, disse Grover, o scammer pode explicar o que aconteceu, dizendo à vítima que foi vítima de hacking ou que o "departamento de segurança de sua empresa" o obrigou a tirar seu perfil do Facebook. "Mas todos eles ainda têm as vítimas no Kik. Eles não as perdem", disse Grover.

Os scammers nunca querem aparecer em um bate-papo ao vivo com vídeo, mas às vezes enviam um vídeo previamente gravado para mostrar que são pais amorosos ou que ficam belos no comando de seu veleiro (é claro que também esses vídeos são roubados). Sites como Manycam.com permitem que vídeos previamente gravados sejam passados em webcams ao vivo. Existem muitos vídeos no YouTube que ensinam como fazer. E, segundo Christine Beining, do FBI, isso aumenta a credibilidade do golpe.

O serviço Virtual Cam Whores, que cria vídeos customizáveis, também pode acrescentar autenticidade ao golpe. O usuário pode manipular o avatar na câmara de modo que a imagem que aparece na tela da outra pessoa pareça estar reagindo ao que a pessoa está dizendo. Por exemplo, se a vítima pede um beijo, o scammer pode comandar a imagem na tela e fazer com que ela jogue um beijo.

Mesmo assim, argumentariam alguns, como é possível que tantas pessoas confundam um vídeo previamente gravado com uma cena mostrada por uma webcam ao vivo? A resposta não poderia ser menos técnica: é preciso que a vítima esteja disposta a suspender seu ceticismo.

Transferindo o dinheiro
Os criminosos às vezes usam os serviços de empresas anteriores à era digital para ajudar seus golpes a dar certo. A Western Union, por exemplo, era uma bênção para os scammers, porque a empresa nem sempre pedia a identificação das pessoas que buscavam dinheiro em suas agências, especialmente as situadas em países em desenvolvimento.


Em janeiro deste ano a Western Union fechou um acordo judicial de US$586 milhões com a FTC (Comissão Federal do Comércio, agência americana de proteção ao consumidor), depois de ser acusada de ter deixado durante anos que pagamentos fraudulentos envolvendo golpes de vários tipos, incluindo romances online, circulassem por seu sistema de transferência de dinheiro. A acusação era também que a empresa tinha conhecimento dessas transferências ilegais e poderia tê-las impedido, mas não o fez. Alguns funcionários da Western Union chegaram a ser acusados de participar dos golpes, com conhecimento de causa. Em 2012 a FTC concluiu que meras 137 entre as 17.710 agências da Western Union no México foram responsáveis por mais de 80% das fraudes denunciadas envolvendo transferências realizadas através da Western Union nesse país.

Pelo acordo fechado com a FTC, a Western Union terá que devolver o dinheiro a determinadas pessoas que foram ludibriadas para entregarem dinheiro em transferências que a empresa realizou entre 1º de janeiro de 2004 e 19 de janeiro de 2017. O Departamento de Justiça vai realizar a devolução do dinheiro. Ainda não foi definido como será o processo para abrir um pedido de ressarcimento.

Uma declaração postada no site da Western Union observa que nos últimos cinco anos a empresa aumentou em mais de 200% sua reserva para compliance e que hoje gasta US$200 milhões ao ano com medidas de segurança e treinamento de funcionários.

Os mistérios do amor
A grande incógnita nos golpes de namoro online acontece quando tentamos compreender o pensamento das vítimas, especialmente as que ainda declaram amor pelo homem que sabem que as enganou. Essencialmente, essas pessoas se apaixonaram por uma foto e ignoraram suas próprias dúvidas e desconfianças, como várias delas disseram ao HuffPost. Elas fizeram vista grossa para muitos indícios gritantes de possíveis problemas: erros de ortografia e gramática cometidos por pessoas para quem o inglês supostamente é sua primeira língua, a disposição do golpista de declarar seu amor pela vítima sem nunca a ter visto em pessoa, os pedidos reiterados de dinheiro que nunca é devolvido.

Para os especialistas, as vítimas acreditam porque querem acreditar.

Um estudo realizado no Reino Unido em 2009 concluiu que as vítimas dos golpes românticos virtuais geralmente não são pessoas que não sabem tomar decisões acertadas. Elas podem ter ótima carreira profissional ou nos negócios. Mas, segundo o estudo, elas tendem a ser excessivamente abertas à persuasão por outras pessoas e ter pouca capacidade de controlar suas emoções.

Monica Whitty, a psicóloga especializada em crimes cibernéticos, constatou que muitas das vítimas já haviam passado por relacionamentos abusivos. Quando a pessoa que os maltratou no passado era importante demais para que elas pudessem abandoná-la – por exemplo, se a pessoa em questão era seu pai ou sua mãe --, elas aprenderam a negar que eram vítimas de agressão. Para preservar o relacionamento, tornavam-se hábeis em racionalizar as ações que as magoaram ou em simplesmente recusar-se a se lembrar dessas ações.

Ninguém está imune a golpes virtuais. Precisamos nos manter em guarda, por nós mesmos e por nossos familiares e amigos.
Stephen Lea, professor de psicologia na Universidade de Exeter
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Essa capacidade de suspender o ceticismo é uma razão que leva os golpistas virtuais a dar preferência a pessoas que já foram vítimas de golpes no passado. Em lugar de ficarem mais céticas e precavidas, muitas pessoas que já foram defraudadas antes aparentemente não fizeram mais do que comprovar que são alvos fáceis para novos golpes.

"Ninguém está imune a golpes virtuais", disse o professor de psicologia Stephen Lea, da Universidade de Exeter, que dirigiu a equipe de pesquisadores responsável pelo estudo de 2009. "Precisamos nos manter em guarda, por nós mesmos e por nossos familiares e amigos. Se você receia que alguma coisa possa ser um golpe, é muito provável que realmente seja."

As vítimas de golpes românticos virtuais frequentemente são vistas como culpadas por terem sido vitimadas. Elas podem parecer tolas e até culpadas, pessoas que carregam pelo menos parte da culpa pelos prejuízos que sofreram. Dizem a elas que todos os sinais de aviso estavam ali, e que foram elas que optaram por não dar ouvidos.

A Dra. Cassandra Cross, que estudou o impacto dos golpes românticos sobre as vítimas, observou em um artigo de 2016 que esse tipo de fraude é diferente de qualquer outro, porque sempre existe "comunicação entre a vítima e o criminoso", e que as vítimas mandam dinheiro aos golpistas e compartilham suas informações pessoais com eles "de bom grado, se bem que sob pretexto falso".

Cross escreveu: "A visão que se tem é que as vítimas de fraudes violam a noção da vítima ideal e, por essa razão, geralmente são consideradas culpadas por sua própria vitimação". Porém, ela acrescentou, "não se deve confundir a palavra 'geralmente' com 'corretamente'".

A australiana Jan Marshall, ela própria vítima de um golpe virtual e que hoje defende outras vítimas através de seu site Romance Scam Survivor , diz que esse hábito de culpar as vítimas precisa mudar. Ninguém cai em um golpe com a intenção de virar presa.

As vítimas de golpes virtuais se defendem

Os danos sofridos pelas vítimas de fraudes online, incluindo as fraudes românticas, não se limitam aos prejuízos em dinheiro. Pesquisas indicam que as vítimas de fraudes sofrem transtorno de estresse pós-traumático em nível comparável ao de vítimas de crimes violentos. Elas desenvolvem depressão e traumas psicológicos. Algumas já tentaram o suicídio ou se suicidaram de fato.

E algumas ficam tão furiosas por terem sido defraudadas que decidem reagir. A internet está cheia de pessoas que querem educar o público sobre os perigos dos golpes virtuais e impedir que surjam novas vítimas.

O site RomanceScam.com, por exemplo, publica links de várias identidades falsas que os scammers parecem estar utilizando. "A melhor arma contra este tipo de crime é a informação", diz o site. "Quanto mais as pessoas se informam sobre como funcionam esses golpes, mais fica difícil para os scammers ganharem dinheiro e mais scammers ficarão fora de ação."

Algumas antigas vítimas se empoderam atuando como iscas de golpistas, uma prática em que procuram atrair scammers e então agir como se estivessem sendo enganadas. Uma pessoa, postando anonimamente no RomanceScam, escreveu que atua como isca para "fazer os golpistas perder tempo", porque as horas que um scammer passa com ela são horas que ele deixa de passar enganando outra vítima. Ela disse que a atividade a satisfaz e que tem prazer em ver o scammer se enfurecer e ficar confuso.

O site 419Eater, que se descreve como o maior site de "scam-baiting" (iscas de golpistas), incentiva as pessoas que se oferecem como iscas de golpistas a compartilhar suas vitórias e ficar atualizadas em relação aos golpes mais recentes. O site possui um fórum ativo onde as "iscas" podem compartilhar relatos. Ele já foi recomendado mais de 18 mil vezes no Facebook.

Às vezes os golpistas são pegos

Em fevereiro deste ano um juiz federal no Illinois condenou a 27 anos de prisão o nigeriano Olayinka Ilumsa Sunmola, de 33 anos, chefe de uma quadrilha de golpistas que vivia na África do Sul, por seu papel em muitos golpes românticos virtuais internacionais entre 2007 e 2014. Summola e sua quadrilha tinham criado perfis fictícios online em sites populares de namoro – notadamente no Match.com – para atrair mulheres que não suspeitavam de nada. A informação veio da promotoria pública do Distritito Sul do Illinois.

Depois de ser indiciado nos Estados Unidos, Sunmola foi preso pela Scotland Yard quando estava prestes a embarcar num avião de Londres a Johannesburgo, na África do Sul. Em 2 de março de 2016, após dois dias de julgamento, ele se confessou culpado de oito acusações.

O governo não tem como saber quanto dinheiro Sunmola e seus asseclas roubaram ao todo, disse a promotoria, mas as vítimas que vieram a público denunciá-lo tiveram prejuízos superiores a US$1,7 milhão, o valor que Sunmola recebeu ordens de restituir a elas. Ele possuía pelo menos quatro residências na África do Sul, que foram vendidas para que ele pudesse ressarcir as vítimas.

Seus crimes obrigaram pelo menos três mulheres a entrar em falência. Várias outras perderam seus empregos, suas casas e ficaram financeiramente arruinadas. Uma vítima que depôs no julgamento perdeu mais de US$90 mil.

"A aposentadoria deveria ser uma fase boa da vida", ela escreveu ao tribunal. "Em vez disso, vivo estressada, estou falida e faço trabalhos sem contrato a US$10 a hora para me sustentar."

As vítimas de Sunmola sofreram emocional e psicologicamente. Algumas tinham até comprado vestidos de noiva. Duas delas contaram ao tribunal que pensaram seriamente em se matar.

No caso de pelo menos duas das mulheres, o abuso foi sexual também: Sunmola roubou fotos delas nuas que ele então usou para extorquir dinheiro delas e, em seguida, postou online para todos verem.

Monica Whitty depôs dizendo que as vítimas sofreram graves danos psicológicos.

"Elas passaram por mudanças potencialmente permanentes em suas vidas, que mudaram suas vidas para sempre. Os efeitos de longo prazo vão continuar presentes por muitos anos", ela disse ao tribunal.

Talvez seja verdade o que dizem: o amor é a droga mais forte de todas.

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.


 origem da materia
https://www.huffpostbrasil.com/2017/08/04/como-um-golpe-bilionario-na-internet-esta-partindo-coracoes-e-es_a_23063731/


ONU alerta brasileiras para golpe de estrangeiros na internet


Uma das hipóteses levantadas pelas autoridades é de que a fraude seja uma estratégia para grupos criminosos ou terroristas entrarem no país

O escritório da Organização das Nações Unidas no Brasil emitiu um alerta nesta quinta-feira sobre o uso do nome da entidade em uma fraude que já atingiu ao menos 100 mulheres brasileiras neste ano. Segundo a ONU, os golpistas se passam por funcionários ou voluntários da organização a fim de obter dinheiro e informações pessoais das vítimas.
Somente em 2016, o Fale Conosco da ONU recebeu mais de 100 pedidos ou questionamentos de brasileiras que, depois de conhecer homens pelas redes sociais, Skype ou sites de relacionamento buscaram a organização para confirmar as informações fornecidas pelo novo parceiro. O número de casos, no entanto, pode ser muito maior, já que nem todas as vítimas procuram as autoridades.